sexta-feira, 30 de maio de 2008

GANDHI E A REVOLUÇÃO


Mohandas K. Gandhi. (1869-1948)


Gandhi costumava dizer que os comunistas não vivem de acordo com as suas ideias. Eles observam, de facto, uma separação radical entre o partido e a vida. Quem já viu um comunista distribuir todos os seus bens pelos pobres? Isso é mais próprio do evangelho, bem vistas as coisas, porque aí a salvação é da pessoa e não depende da ordem social. Enquanto que o comunista não se pode salvar sem fazer tudo para mudar a sociedade. A caridade não é uma virtude deste credo. Pelo contrário, é uma atitude sempre suspeita de querer sossegar a consciência sem a luta política.

Se se acredita que a sociedade é uma organização fundada em leis injustas e, portanto, não necessárias, só o revolucionário é moral, e é revolucionária a força organizada que revele a injustiça como produto necessário dum sistema que não muda a não ser contra os seus beneficiários e pelo emprego de técnicas experimentadas e com o aval do que se considera a ciência histórica.

Na imagística interna, o partido é uma força artificialmente travada, mas cujo destino é desenvolver-se, segundo um curso fatal para a vitória sobre todos os obstáculos. A ideia deste mecanismo agrada ao espírito operário e a todos os que não sabem ter a paciência necessária para caminhar da aparência à realidade, e para pensar o complexo mundo humano. Mas o que é pior é que a prudência do espírito é acusada de cobardia moral e de aliança com o inimigo pelo rude companheiro, como diz Alain. Ele está habituado a verificar imediatamente os efeitos da pancada do martelo, não compreende a mesa da negociação e o compromisso. Quem lhe fala na força colectiva não pode faltar com os resultados. Entreter o mito da força de classe é acreditar a revolução como efeito puramente mecânico. Quando o que se vê, e tem sido esse o espectáculo de todos os tempos, o número não é a verdadeira força do homem. Nesse estado é como uma massa destinada a cair ao mais baixo possível.

O método do indiano é completamente outro. Ele viu a opressão do harijan e tornou-se igual a ele. Não de todo, porque isso ninguém consegue, e de resto nem interessa à luta social, mas simbolicamente. Gandhi vestiu o opróbrio do intocável e desfez, graças ao seu prestígio, milénios de preconceitos. Como o punhado de sal que desafiou a proibição inglesa depois duma marcha de centenas de quilómetros a pé, não é a força que se opõe à força. Por detrás das instituições e de todos os poderes está o espírito. É esse que aprova e sustenta. A máquina sozinha está à mercê das leis da inércia, e uma crença pode pará-la.

Mas acho ainda mais em Gandhi: ele podia realmente conhecer e amar os intocáveis. O revolucionário, que não é irmão de ofício e de vida, não pode suportar a visão do outro. No fundo, tem que considerá-lo ( ao explorado ) um homem que ainda não é. E assim se faz idólatra dos privilégios. É preciso que as diferenças sejam despidas do "pecado" para se revelar o ser humano. É uma forma paradoxal de caridade lutar por que os outros sejam mais homens.

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