"Don Giovanni" de Mozart
"Ou devo dizer-lhe para que se vá embora? Aliás, seria muito indelicado, pois os seus modos não são vulgares nem levianos. O melhor será a senhora recebê-lo, protegida por um kichó!(*)
Esta novidade mergulhou a Princesa numa extrema confusão:
- Mas eu ignoro completamente a arte de falar com os homens! - exclamou, e a maneira como recuou para o fundo dos aposentos, deslizando com os joelhos, revelava uma inocência desconcertante."
"O Romance do Genji" (Murasaki Shikibu)
(*) Uma partição de tecido para dividir um aposento na época Heian.
Esta cena encantadora revela da parte da aia um empenho de entremetteuse em que a princesa receba o Genji sob o pretexto de que ele não é qualquer um e de que um biombo os separará.
E a jovem inexperiente, como se sabe, a mais irresistível das tentações para o Dom Juan mozartiano (mas se há muito desta personagem no Genji, isso vem à mistura com uma delicadeza quase feminina e uma fidelidade sentimental à prova do tempo). a princesa, então, invoca a arte de falar com os homens que nos causa alguma admiração, embora, nesse capítulo, as coisas não tenham tanto como parece, mesmo tendo em conta que se trata do Japão do século X. As relações sociais entre os sexos não dispensam, de facto, uma arte de lidar com o desejo ou com a ideia dele (o diferencial é semanticamente produtivo, mesmo na ausência do impulso natural). Daí a importância do subentendido e das tácticas de sedução e diferimento.
Aquele deslizar com os joelhos para o fundo dos aposentos é a negação da arte, mas é delicioso como sinal de perturbação, que não deixaria de excitar qualquer instinto donjuanesco.
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