A fronteira entre o cinema e a propaganda atravessa-a, claramente, o filme de José Padilha "Tropa de Elite"(2007).
O que pode confundir alguns é a extrema actualidade do tema e a tragédia que se vive nas favelas do Rio de Janeiro, onde o narcotráfico de tal forma criou raízes na miséria da população e na corrupção da polícia que a violência da tropa especial, treinada para a guerra sem quartel, parece um mal menor.
De resto, o comentário do narrador, o capitão Nascimento (Wagner Moura), é a continuada justificação dos métodos e do patriotismo da missão.
O grupo dos consumidores de droga, que financia o tráfico, é constituído pela elite universitária que ao mesmo tempo utiliza as ideias dum pensador como Foucault ("Vigiar e Punir") como justificação moral da sua posição degradante.
Pode ser que a desumanidade do instrumento seja a necessária contrapartida do mal que tem de combater, embora o filme não nos deixe antever qualquer esperança de sucesso. A polícia regular é parte do problema, e os poucos honestos que querem "endireitar o mundo", deixam-se vencer pelo "sistema" ao fim de algum tempo se querem preservar a pele.
É evidente também que a formação quase fanática desta elite militar (o BOPE) e a sua capacidade no terreno parecem desproporcionadas face à organização espontânea dos traficantes, filhos da favela, que está longe, apesar da sua crueldade, de ter a eficácia duma "Cosa Nostra".
Propaganda deliberada eram também os primeiros filmes de Eisenstein, como "A Greve" e "Outubro", em que abundam a caricatura e a distorção dos factos. Apesar disso, era cinema e do melhor.
Um efeito do poderoso domínio da forma revolucionária sobre o conteúdo, por mais actual que um momento tivesse sido, é que a propaganda, neste caso, se assemelha à "mentira" dos mitos, os quais, no entanto, são um tema recorrente em todas as artes.
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