quarta-feira, 9 de julho de 2008

LÚCIDO COMO TESTE


Paul Valéry (1871/1945)

"- Quem sabe se a maior parte destes pensamentos prodigiosos sobre os quais, desde há séculos, empalidece uma porção de grandes homens e de uma infinidade de pequenos, não é feita de monstros psicológicos - Ideias-Monstros - concebidas pelo exercício ingénuo das faculdades interrogantes que aplicamos um pouco por todo o lado - sem reparar que devemos interrogar apenas o que pode, realmente, responder-nos?"

"O Senhor Teste" (Paul Valéry)


O Senhor Teste é declaradamente anormal e a sua existência não poderia "prolongar-se no real por mais de uns tantos quartos de hora". Mas porque é possível nesse lapso de tempo, podemos imaginá-lo como uma personagem real e endossar-lhe todos os nossos pensamentos sem futuro, condenados pelas suas "contradições ocultas".

A sua especialidade seria, pois, a das questões irrespondíveis. E a tese é que se pudéssemos aplicar os pensamentos "justos e fecundos" que concebemos ao tentar dar-lhes uma resposta, conheceríamos que, tal como os monstros, essas ideias não têm condições para viver.

Mas há um domínio em que essas quimeras não se confrontam com o real, pois nele as ideias são apenas um pretexto para os actos sociais que servem para lubrificar: é o da conversação.

Toda a argumentação que decorre sob esse signo não se destina a pôr à prova as ideias, mas tão-só a facilitar as relações. A vontade de agradar, as boas-maneiras ou a simples amizade, tanto como as paixões e as qualidades contrárias, criam apenas a nuvem propícia à nossas posições.

A lucidez do Senhor Teste não lhe permite ter uma vida social, e é por isso que ele próprio é uma quimera.

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