"Profissão: repórter" (1975-Michelangelo Antonioni)
Um jornalista, David Locke, troca de identidade com um morto, num hotel do deserto. Este era traficante de armas e, seguindo os contactos da sua agenda, Locke, na sua nova pele encontra-se com os representantes da guerrilha, mas tem de fugir da ex-mulher e dos amigos que procuram obter pormenores sobre a sua morte repentina. Uma estudante de arquitectura, que conhece na cidade de Gaudi, acompanha-o nessa fuga do passado.
É melancólico ver um filme como este, pela saudade que nos deixa do que já foi o cinema europeu.
E, no entanto, Antonioni parece perdido como a sua personagem.
A jovem (Maria Schneider) fica impressionada com a história do cego que, por causa da fealdade do mundo, se suicidou depois de ter recuperado a visão. Se a psicologia da cena nos parece postiça, não estará aqui a chave do comportamento de Locke?
A sua loucura tem um esboço de justificação quando nos é dito que o morto acreditava na causa da guerrilha. O nosso jornalista, talvez por deformação profissional (efeito de seguir as regras, como naquela entrevista ao ditador africano?) já não acredita em nada.
Mas em matéria de fé não se podem calçar os sapatos de um outro.
A segunda vida de Locke acaba perto de Almeria, noutro quarto de hotel, como se os gestos das personagens não tivessem qualquer realidade e as peripécias da fuga fossem apenas um protelamento da morte desejada.
É o que nos diz, no final, o silêncio daquele terreiro visto das grades da janela, com as figuras à distância, acossadas pela sombra.
Mas nada é explícito. Este cinema fala através de hieróglifos.
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