"Assim, o poder institucionalizado nas comunidades organizadas muitas vezes aparece sob o disfarce da autoridade, reclamando um reconhecimento imediato e não questionável; nenhuma sociedade podia funcionar sem isso (um pequeno, e ainda isolado, incidente em Nova Iorque mostra o que pode acontecer se a autêntica autoridade nas relações sociais for quebrada ao ponto de não poder mais exercer-se na sua forma derivativa e simplesmente funcional. Um pequeno problema no sistema do metropolitano - as portas dum comboio deixaram de funcionar - tornou-se num encerramento grave da linha durante quatro horas e que envolveu mais de cinquenta mil passageiros, porque quando as autoridades do trânsito pediram aos passageiros para abandonarem o comboio avariado, eles simplesmente recusaram).
"On Violence" (Hannah Arendt)
De facto, em circunstâncias como a descrita, as pessoas não podem confiar na opinião dos outros, nem no seu exemplo. Não é uma situação para resolver democraticamente.
Porque é como se estivessem embarcados no alto mar, onde mesmo antes de entrar todos sabem que há uma autoridade a bordo, para segurança de todos. E, como no exemplo que Platão gostava de citar, em caso de tempestade, não se pedem opiniões, nem um saber e uma competência estranhas à arte de pilotar.
É por isso que, pelas más razões, tantos dos que detêm alguma espécie de poder, e nomeadamente nas empresas, gostam de dizer que "estamos todos no mesmo barco".
Por outro lado, não há democracia, por mais genuína e estabelecida, que, em teoria, não tenha de ser preterida numa extremidade.
Mas como o corpo que recupera a saúde, depois de se ter sujeitado a um regime drástico, é desejável que o Estado se desembarace dos constrangimentos que o salvaram. E se a vantagem da democracia é poderem os governados livrarem-se de um mau governante, sem derramamento de sangue (Popper), o perigo das medidas excepcionais é o tornarem-se a normalidade.
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