domingo, 25 de fevereiro de 2007

HOMÉRICA JUSTIÇA


"Letters from Iwo Jima" (2006-Clint Eastwood)

 

Por que é que, apesar de "Flags of our fathers" ser, incontestavelmente, um grande filme, todos sentimos diante de "Letters from Iwo Jima" que se trata de qualquer coisa de superior?

Não se trata de filmar uma cultura estranha, como em "Nanook" de Flaherty ou "The savages innocents" de Nicholas Ray, com um olhar poético ou etnográfico, porque depois do primeiro filme do díptico, nos encontramos implicados em qualquer coisa que é o contrário da distância do observador. É em nós que um "esclarecimento" dos clichés sobre a guerra tem lugar e, nomeadamente, aqueles que, pela sua abstracção, são os mais assassinos.

Todas as características atribuídas a esse inimigo doutra raça e doutra cultura o reduzem à invisibilidade, à eficácia mortal e ao fanatismo gregário que protegem os juízos sumários.

Em "Letters" é como se se fizesse justiça ao outro, utilizando a mesma atitude compreensiva e o mesmo realismo psicológico que usamos para descrever este lado da trincheira.

Não sei se os japoneses se sentem verdadeiramente retratados neste filme fora de série, mas esta é a mesma atitude que Homero inaugurou falando de Troianos e Gregos em pé de igualdade, ambos os povos mais joguetes das intrigas dos deuses do que realmente culpados.

Que melhor desmitificação do fanatismo nipónico do que a diversidade de comportamentos, do heroísmo à cobardia que aquelas grutas de Iwo Jima presenciaram, ou a do único sobrevivente que corrigiu o general que o elogiava como soldado, dizendo-lhe que, na verdade, era um simples padeiro?

Como a própria trajectória deste general, de amigo dos americanos, antes da guerra, de um irónico informalismo até ao momento do suicídio em que já não se distingue dessa tradição e da sua noção de honra, finalmente parte do povo que é realmente a ara do sacrifício colectivo.

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