A "vontade de dialogar com a memória do cinema"
inspirou a Miguel Gomes a fórmula original (por anacronismo, tal como tinha
acontecido com o tão sobrestimado vencedor dos óscares deste ano) de
"Tabu". Mas diferentemente de "O artista", as imagens
remetem-nos directamente para um mundo perdido que não é o do cinema, mas o da
juventude e, sobretudo, o de uma África ainda inocente, cenário duma paixão
culpada, à medida dessa inocência.
As duas partes do filme retomam os títulos do prestigioso
"Tabu" de Murnau, o grande mestre do mudo. Mas aqui o "Paraíso
Perdido" que é o tempo da velhice , em Lisboa, é verdadeiramente um tempo
poético com míticos crocodilos e mortos que habitam entre os vivos. Grande é o
mérito do realizador ao transformar assim um material que à partida, como ele
diz, não é romanesco: "Interessei-me por personagens mais velhas que não
se vêem mais no cinema, não tem um lado romanesco muito acentuado, no qual se
trabalha o lado quotidiano." (no Festival de Berlim)
Em comparação, o Paraíso é um tempo trágico, o tempo da
culpa, criador dos fantasmas que mais
tarde irão assediar os sobreviventes. Não é um verdadeiro paraíso como o de
Murnau. E, no fundo, talvez a nossa experiência do paraíso ( ou da juventude)
se preste a um equívoco fundamental,
porque há sempre uma tradução impossível, e amamos sempre de mais esta traição
tradutora.
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