Believed to be Julian and his wife Helena |
"Télérama : Mas em que é que esta guerra antiga pode
remeter para a nossa época?
Paul Veyne : Já vou aí. Tomemos um texto relatando as
campanhas de Juliano o Apóstata, um militar, contudo, muito inteligente, que
escreve: 'Ocupámos esta cidade que tinha sido deixada deserta pelos seus
habitantes. Degolámos algumas mulheres que ali encontrámos e incendiámo-la.'
Você tem aqui a confusão entre a guerra racional, que consiste em tentar
destruir o exército e a força adversa, e a guerra gratuita, patológica, batendo
às cegas. Este massacre 'menor' é ao mesmo tempo a moeda corrente do aniquilamento,
das pulsões destruidoras, uma vez que apenas se matam algumas mulheres, mas
também uma verdadeira moeda ouro, pois que ela aniquila realmente. Trata-se de
suprimIr fisicamente e não politicamente. Pode ver a actualidade duma tal
prática através dos massacres islamistas na Argélia ou as formas de violência
modernas que são os atentados."
(2002, Entrevista conduzida por Michèle Gazier e Xavier
Lacavalerie)
O próprio Veyne fornece a solução para esta dificuldade.
A razão avalizava a destruição da força militar inimiga e o aniquilamento
físico dos habitantes da cidade, visto que não se queria apenas uma vitória
temporária. Mas os sentimentos, o valor da vida humana, a incerteza quanto à
necessidade duma medida tão extrema interpõem-se. A razão divide-se, pois,
entre a política de guerra e a temperança humanitária. Ao olhos do historiador
moderno, essa divisão já não se faz dentro da razão, mas entre a razão e o
'patológico', característico, por outro lado, do atentado moderno.
Mas parece evidente que não é em nome da razão que se
pode condenar esta "patologia". É em nome dos valores, porque o
extermínio dum adversário pode ser racional. Além disso, foram racionais os
argumentos para a construção das primeiras bombas atómicas e para o seu lançamento.
Quando os valores se apoiam unicamente na razão já não
são verdadeiros valores.
A insensibilidade de Juliano é o resultado natural da
abstracção obrigatória à função de qualquer general. O posto não pode ser
humano visto que lida com forças (incluída a força 'moral'). E o flagelo é a
guerra, não é a incorrecção dos sentimentos.
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