quinta-feira, 12 de abril de 2012

PATOLOGIA

Believed to be Julian and his wife Helena


"Télérama : Mas em que é que esta guerra antiga pode remeter para a nossa época?

Paul Veyne : Já vou aí. Tomemos um texto relatando as campanhas de Juliano o Apóstata, um militar, contudo, muito inteligente, que escreve: 'Ocupámos esta cidade que tinha sido deixada deserta pelos seus habitantes. Degolámos algumas mulheres que ali encontrámos e incendiámo-la.' Você tem aqui a confusão entre a guerra racional, que consiste em tentar destruir o exército e a força adversa, e a guerra gratuita, patológica, batendo às cegas. Este massacre 'menor' é ao mesmo tempo a moeda corrente do aniquilamento, das pulsões destruidoras, uma vez que apenas se matam algumas mulheres, mas também uma verdadeira moeda ouro, pois que ela aniquila realmente. Trata-se de suprimIr fisicamente e não politicamente. Pode ver a actualidade duma tal prática através dos massacres islamistas na Argélia ou as formas de violência modernas que são os atentados."


(2002, Entrevista conduzida por Michèle Gazier e Xavier Lacavalerie)


O próprio Veyne fornece a solução para esta dificuldade. A razão avalizava a destruição da força militar inimiga e o aniquilamento físico dos habitantes da cidade, visto que não se queria apenas uma vitória temporária. Mas os sentimentos, o valor da vida humana, a incerteza quanto à necessidade duma medida tão extrema interpõem-se. A razão divide-se, pois, entre a política de guerra e a temperança humanitária. Ao olhos do historiador moderno, essa divisão já não se faz dentro da razão, mas entre a razão e o 'patológico', característico, por outro lado, do atentado moderno.

Mas parece evidente que não é em nome da razão que se pode condenar esta "patologia". É em nome dos valores, porque o extermínio dum adversário pode ser racional. Além disso, foram racionais os argumentos para a construção das primeiras bombas atómicas e para o seu lançamento.

Quando os valores se apoiam unicamente na razão já não são verdadeiros valores.

A insensibilidade de Juliano é o resultado natural da abstracção obrigatória à função de qualquer general. O posto não pode ser humano visto que lida com forças (incluída a força 'moral'). E o flagelo é a guerra, não é a incorrecção dos sentimentos.


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