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"Ele não conseguia deixar de pensar no processo.
Muitas vezes tinha já considerado se não seria uma boa ideia escrever a sua
defesa e entregá-la ao tribunal. Conteria uma breve descrição da sua vida e a explicação
de ter agido como agiu em qualquer acontecimento que de algum modo lhe
parecesse importante, quer ele achasse agora que tinha agido bem ou mal, e as
suas razões em cada caso. Não havia dúvida nenhuma sobre as vantagens duma
defesa escrita desse género sobre confiar no advogado, o qual, de qualquer
modo, tinha as suas limitações."
"O Processo" (Franz Kafka)
O mínimo que se pode dizer é que K. não compreende o
processo que lhe instauraram. Não compreende quem o acusa, nem quem o vai
julgar. Assim, dispensando o advogado que lhe foi apresentado pelo tio, e que
lhe parece mais uma peça do "puzzle", pensa em justificar-se sem
saber qual é o seu crime. É óbvio que, neste caso, a sua opinião sobre o bem e
o mal não tem qualquer valor. Há um outro critério, talvez uma outra moral, que
ele em absoluto desconhece, mas que se tornou para ele uma questão de vida e de morte.
Esse princípio desconhecido é do género das leis que é suposto conhecermos e
cuja ignorância não podemos invocar.
A atitude de K., na falta de qualquer "chave",
é mostrar toda a sua vida e todos os seus motivos para exame, como se o facto
de não esconder nada pudesse de algum modo beneficiá-lo.
Depois dum primeiro sentimento de revolta, K. rendeu-se
ao absurdo da situação. O seu caso é ainda pior do que o dos "réus" nos
famosos processos de Moscovo dos anos trinta do século passado, os quais, confirmando a mentira oficial, ao menos
ganharam um lugar no paraíso comunista.
O buraco onde ele vai cair, esfaqueado por dois polícias
irresponsáveis e sem rosto, como a Lei que o condenou, não tem nome, nem abre
para nenhum firmamento.
O texto fala em vergonha e em morrer como um cão, mas é
apenas o sentimento duma entidade microscópica, que não significa nada.
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