quinta-feira, 19 de abril de 2012

OS KARAMAZOV



"Fyodor Pavlovitch tinha gostado toda a sua vida de representar, de subitamente desempenhar um papel inesperado, algumas vezes sem qualquer motivo para o fazer, e até em seu directo prejuízo, como por exemplo neste caso. Este hábito, contudo, é característico dum grande número de pessoas, algumas delas muito inteligentes, como não o era Fyodor Pavlovitch."


"The Brothers Karamazov" (Dostoiewski)




Podia ler-se este romance de Dostoiewski como a história do crime dum único ser, de tal forma os irmãos são, cada um deles, individualmente e os outros três ao mesmo tempo.

Esse ser complexo, cheio de paradoxos, em que se debatem a frieza intelectual de Ivan, a paixão selvagem de Dmitri, a espiritualidade angelical de Alyosha e a quase bestialidade de Smerdyakov, o criado e filho natural, é o verdadeiro autor do parricídio, embora só um deles fosse responsável segundo a lei.

O filho mais velho desejava o assassínio, mas dizia-se disposto a impedí-lo ( o que não fez, pois deixou a casa paterna no momento crucial, "inspirado" pelo seu rompimento amoroso com Katerina Ivanovna). Mytia é o louco furioso que disputa com o pai a mesma mulher. Alexey, o querubim, é a própria inacção que em tudo o vê a vontade de Deus. Quanto ao servo Grigori, o enjeitado, filho duma pobre de espírito de quem Fyodor Pavlovitch abusou, é o desejo de todos, inconsciente ou não, sob a forma do instinto e da crueldade natural.

O velho, bufão e corredor de saias, é o pai em que nenhum dos filhos se revê. Os seus hábitos e a sua maneira de pensar, o seu egoísmo, a sua própria figura, fazem dele como que a troça divina da imagem paterna.

O seu gosto por uma vida de disfarces, como se nela fosse um actor,  e o de surpreender os outros, independentemente de qualquer finalidade ou interesse, é a melhor definição duma irresponsabilidade a que o teórico da família confere uma extensão metafísica. Fyodor Pavlovitch suscita a mesma revolta em Ivan que o seu Deus ausente.


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