Tchekov e Gorki em Yalta, 1900 |
“Sónia
- (…)Nós veremos o céu brilhar como uma jóia. Veremos o mal e a nossa dor
afundarem-se na grande compaixão que envolve o mundo. A nossa vida será
pacífica e terna e doce como uma carícia. Eu tenho fé. [limpa as lágrimas] Meu
pobre, pobre tio Vânia, mas tu choras! [chorando] Tu nunca soubeste o que era a
felicidade, mas espera, tio Vânia, espera! Nós descansaremos. [abraça-o] Nós
descansaremos. [o chocalhar do guarda ouve-se no jardim; Telegin toca
suavemente; a Senhora Voitskaya escreve qualquer coisa na margem do seu
folheto; Marina tricota a sua meia] Nós descansaremos.”
“O Tio Vânia” (Anton Tchekov)
O encanto do teatro
de Tchekov está no tom quase sussurrado da violência. E por muito que forcemos
uma interpretação política (era fácil para a Revolução fazê-lo) desse huis
clos
provinciano em que as almas mais puras são destruídas só porque um ocioso pensa
nelas (“A gaivota”), ou simplesmente porque a vida as usou e, de repente, se
encontram velhas e já sem futuro para os ideais da juventude (“O tio Vânia”), a
melancolia e o mal de viver são o verdadeiro tema.
O amor parece
condenado a falhar ou a durar só uma tarde de verão. Todos parecem amar a
pessoa errada ou a que lhes é proibido amar, como se precisassem de verificar o
seu destino infeliz e sem escapatória. E há sempre o álcool ou qualquer outra
forma de entorpecimento para aguentar o cerco da realidade. O campo é o lugar
onde melhor se sente esse cerco que culmina, por exemplo, na venda da
propriedade familiar (“O cerejal”). Por este lado, as transformações sociais e
a decadência da pequena nobreza ou da burguesia rural sugerem pistas de
interpretação que nos desviam do essencial.
Quando Serebrakoff, o
velho professor do “Tio Vânia”, exorta o cunhado a agir, a trabalhar, para dar
uma volta ao marasmo em que vive, sentimos toda a ironia do final da peça, em
que tio e sobrinha (que já perdeu a esperança do amor) se devotam, como os monges da escrita, Bouvard
et Pécuchet, à contabilidade doméstica.
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