sábado, 22 de janeiro de 2011

VIOLÊNCIA SUSSURRADA

Tchekov e Gorki em Yalta, 1900




“Sónia - (…)Nós veremos o céu brilhar como uma jóia. Veremos o mal e a nossa dor afundarem-se na grande compaixão que envolve o mundo. A nossa vida será pacífica e terna e doce como uma carícia. Eu tenho fé. [limpa as lágrimas] Meu pobre, pobre tio Vânia, mas tu choras! [chorando] Tu nunca soubeste o que era a felicidade, mas espera, tio Vânia, espera! Nós descansaremos. [abraça-o] Nós descansaremos. [o chocalhar do guarda ouve-se no jardim; Telegin toca suavemente; a Senhora Voitskaya escreve qualquer coisa na margem do seu folheto; Marina tricota a sua meia] Nós descansaremos.”

“O Tio Vânia”  (Anton Tchekov)



O encanto do teatro de Tchekov está no tom quase sussurrado da violência. E por muito que forcemos uma interpretação política (era fácil para a Revolução fazê-lo) desse huis clos provinciano em que as almas mais puras são destruídas só porque um ocioso pensa nelas (“A gaivota”), ou simplesmente porque a vida as usou e, de repente, se encontram velhas e já sem futuro para os ideais da juventude (“O tio Vânia”), a melancolia e o mal de viver são o verdadeiro tema.

O amor parece condenado a falhar ou a durar só uma tarde de verão. Todos parecem amar a pessoa errada ou a que lhes é proibido amar, como se precisassem de verificar o seu destino infeliz e sem escapatória. E há sempre o álcool ou qualquer outra forma de entorpecimento para aguentar o cerco da realidade. O campo é o lugar onde melhor se sente esse cerco que culmina, por exemplo, na venda da propriedade familiar (“O cerejal”). Por este lado, as transformações sociais e a decadência da pequena nobreza ou da burguesia rural sugerem pistas de interpretação que nos desviam do essencial.

Quando Serebrakoff, o velho professor do “Tio Vânia”, exorta o cunhado a agir, a trabalhar, para dar uma volta ao marasmo em que vive, sentimos toda a ironia do final da peça, em que tio e sobrinha (que já perdeu a esperança do amor) se devotam, como os monges da escrita, Bouvard et Pécuchet,  à contabilidade doméstica.

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