Voltaire (1694/1778) |
Voltaire, no seu “Dicionário
Filosófico”, pergunta se a verdadeira religião “não deveria ensinar muita moralidade e muito pouco dogma, procurar
tornar os homens justos, sem os fazer absurdos, abster-se de ordenar a alguém para
acreditar em coisas impossíveis, contraditórias, injuriosas para a divindade,
perniciosas para a humanidade e que ousasse não ameaçar com o castigo eterno
alguém que possuísse o senso comum? Uma religião que não defendesse a sua fé
com os carrascos da terra e não inundasse a terra com sangue por causa de
sofismas ininteligíveis? Que ensinasse apenas a adorar um deus único, a
justiça, a tolerância e a humanidade?”
(citado por
Karen Armstrong)
Como todos os iluministas,
Voltaire esperava demasiado da razão ( e não foi ela endeusada pelos
revolucionários franceses?). Viveu num tempo em que a ciência afirmava um poder
ilimitado de explicação do mundo, sem ter encontrado ainda as aporias de Kant nem
as limitações que o século XX patenteou.
Compreensivelmente, a
sua crítica da religião baseia-se numa interpretação literal dos textos
sagrados, na história e na lógica dos factos. O dogma parece então, um insulto
à capacidade de raciocínio, uma intolerável interdição de pensar. O iluminista
vê por detrás dos símbolos e da linguagem poética inspirada pelo mística meros
subterfúgios do poder anacrónico da Igreja sobre os espíritos.
A tolerância
defendida por Voltaire continua a parecer-nos um real progresso face ao
fanatismo de todos os tempos. Mas essa tolerância era, também, uma das armas da
razão no processo de redução da religião ao foro privado. O fanatismo era real,
devemos, contudo, perguntar-nos se era isso que realmente estava em causa.
O politicamente
correcto dos nossos dias é, talvez, um fruto desse espírito que progride
apoiado nos excessos do espírito contrário. Agora não é a secularização nem a
privatização que podemos antever nesse enfraquecimento da convicções cívicas e
políticas, mas o conformismo duma sociedade de consumidores.
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