Herberto Helder |
“Eu próprio
levanto minha exígua cabeça de vivo,
procuro
colocar-me num ponto irradiante
da terra,
olhar de frente
com toda a
inspiração do meu passado, e estar
à altura dos
mortos, na zona
esplêndida e
vasta
da sua nobreza
- receber essa espécie de força
indestrutível
que envolve a
cabeça montada sobre os dias e dias,
de que as
rosas bebem o jeito aéreo e a boca
a delicadeza
misteriosa.”
“Elegia Múltipla” (Herberto
Helder)
Os Cristãos de outros
tempos acreditavam num mundo depois deste, para onde iam aqueles que nos
deixam. Nada se perde nesta passagem, a não ser o que o hinduísmo, por exemplo,
sempre considerou uma ilusão. Mas é uma ilusão que Aquiles não troca por
realeza nenhuma no Hades.
Por um lado, pois,
perde-se tudo, ou é apenas memória dos vivos, mas, por outro, o que sempre
fomos continua. O poeta fala numa nobreza dos mortos e de querer estar à sua
altura.
Passamos a vida a
construir uma pessoa ou uma personagem, trabalho com muito de teatral, com
gambiarras e maquilhagem, mas toda a sabedoria das religiões e da filosofia nos
diz que o essencial não está nisso, e que só na medida em que deixamos de olhar
pela ranhura da máscara, como se tivéssemos de vencer todas as perspectivas, é
que vemos realmente o mundo.
Dos mortos o que vive
é o impessoal. Mesmo o anedotário de certas vidas é apenas para nossa
edificação, mas os mortos nunca estiveram aí. Estar à altura dos mortos é,
assim, ter ultrapassado os mitos, o mito do Juízo Final, por exemplo, e por um
momento fazer parte da “comunidade dos justos”. Porque só a pessoa é justa ou
injusta.
Como recomenda Alain,
o método para compreender a religião (ou um filósofo) não é partir do princípio
de que é falsa, mas o de inquirir de que modo ela é verdadeira. Aí, tudo é
simbólico, e os factos ou as palavras que, no dizer do poeta, não morrem noutro
nome, não têm entrada.
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