"A vocação de Mateus" (Caravaggio) |
“Entre
a exaustão do maneirismo tardio e o desabrochar do barroco, a pintura de Caravaggio
é um bloc d’abîme
que escapa à ortodoxia ideológica pós-tridentina e que antecipa, no pathos e na crueza material das suas
figuras, na composição dramática e na exploração magistral do chiaroscuro, muito do que virão ser os
motivos da pintura posterior.”
“Roma -
Exercícios de reconhecimento” (António Mega Ferreira)
Ocultado pela figura
de Pedro (?), Cristo é quase só o olhar que acompanha o indicador, dentro dum
triângulo de sombra que o halo intercepta discretamente.
Aquele gesto é
imperioso. Não há da parte do escolhido, Mateus, qualquer reconhecimento ou
pré-disposição. Ele é designado pela autoridade invisível que não admite
réplica alguma.
Mateus, no meio do
grupo dos publicanos, estava absorvido pela cobrança ( é a sua profissão ). As
moedas espalhadas na mesa parecem troçar do múnus espiritual em que o querem
investir.
O indicador de Cristo
tem uma conotação na pintura: é a da denúncia. Ao mesmo tempo que escolhe o
discípulo, Cristo denuncia a vida do publicano, o “vil metal”.
Como bem observa Mega
Ferreira, a propósito do outro quadro da capela Contarelli, “O martírio de S.
Mateus”, há aqui uma “autêntica
dessacralização do sagrado, tal como o entendia a pintura religiosa dominante.”
Isso está bem patente na “obscuridade” de Cristo e no plano horizontal em que
surgem todas as figuras.
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