sábado, 8 de janeiro de 2011

SAQUE SOBRE A HISTÓRIA


Fialho de Almeida (1857/1911)



Fialho de Almeida (Os Gatos – vol.I) acusa D. Fernando, esposo de D. Maria II, de se ter apropriado, ao longo dos anos, da riqueza artística nacional, rapinada dos conventos ou de proprietários ignorantes e soezes. Umas vezes, esquecendo-se de devolver o que lhe tinha sido confiado em depósito, outras agindo como um coleccionador, tão rapace quanto Junot, a quem não tinham chegado três navios para levar para França o precioso saque (“ainda lhe pudemos arrancar a Bíblia dos Jerónimos, e não sei que outros monumentos de arte nacional, mercê de uma recompensa em dinheiro, de muitos contos”). 

Ora, quem seguiu o destino que teve o espólio deixado pelo real consorte à sua segunda esposa, vinda do “tablado” (fora cantora de ópera), a começar pelo Palácio da Pena, e observou tais sucessos pelo telescópio da história, não pode deixar de considerar que o Rei-Artista fez, apesar de tudo, um trabalho de mérito, ao reunir e conservar tamanha riqueza, a qual não se destinando directamente ao usufruto do povo que acolheu o Coburgo-Gotha, acabou por fazer parte do património nacional em poucos anos.

Há indivíduos (como uma enzima num vasto organismo) que servem melhor a colectividade com a sua paixão, “à la longue”, do que os representantes legítimos, mas com espírito funcionário.

É mais uma das ironias da história.
 

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