domingo, 9 de janeiro de 2011

UMA PERSPECTIVA


Salazar (Eduardo Gageiro)


Na fotografia de Eduardo Gageiro, de 1962, vemos do alto Salazar no Forte de Santo António do Estoril, olhando o mar. Não sabe, aparentemente, que está a ser fotografado. Como qualquer de nós, repousa o olhar na imensidão das águas, mas a nossa voz interior, preconceituosa, diz-nos que, naquela pose, com os braços apoiados na “amurada”, ele se sentia à proa do seu “quinto império”, ou como o último figurante  no Padrão dos Descobrimentos…

Nunca saberemos se o ditador, com o aproximar do último acto da sua vida, acalentava ainda pensamentos de anacrónica glória ou se, em vez disso, eram de humilde conformação com os factos e a velhice. Talvez gozasse apenas um raio de sol.

O fotógrafo mostra-nos uma solidão, que não é só a do poder, mas mais importante do que isso, o ângulo de que é tirada a imagem corresponde também a um juízo “objectivo”. Vemos Salazar de costas, como se já se afastasse de nós, e vemo-lo pequeno, sem dúvida por causa da distância, mas não é isso que a perspectiva nos faz “decidir” no nosso foro interior. Essa perspectiva não é apenas espacial. É fundamentalmente política.

Costuma dizer-se que vemos melhor quando a poeira assenta. Por isso a História, se julgar apenas o homem, será mais leniente.  

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