As três Graças (Canova) |
“’Nada
de belo e de amável acontece aos homens sem as Charites (Χάριτες)’ diz Teócrito. Mas de
que maneira as Charites vieram ter com os homens? Como
três brutas pedras caídas do céu, em Orchomene. Só numa época tardia se
colocaram estátuas juntos dessas pedras. O que cai do céu é o que não se pode
dominar, nunca. E o homem, no entanto, deve conquistar essas pedras, ou essas
jovens de belas tranças, se quiser que os seus cantos estejam ‘cheios da
respiração das Charites”. Como fazer? Das Charites passou-se a charis, das Graças à graça. E Plutarco
indica-nos qual é a relação com ela: ‘os antigos, Protógenes, chamaram charis ao consentimento espontâneo da
mulher ao macho.” A graça, portanto, o inconquistável, dá-se somente àquele que
a conquistar pelo assédio erótico, sabendo ao mesmo tempo que nunca poderá
entrar na citadela se a citadela não se abrir, com a graça.”
“Les noces de
Cadmos et Harmonie” (Robert Calasso)
Muito antes da
psicanálise, vemos aqui uma tentativa de tudo explicar com a chave erótica,
diferente, sem dúvida, dos nossos mitos sexuais, mas igualmente ambiciosa. “Se fizermos fé nas confidências de Hera, a
sua esposa-irmã, Zeus ‘não cometia outra proeza senão a de entrar no leito das
imortais como no das mortais.’”
Sobretudo, se
compararmos esse erotismo com o seu desenvolvimento teológico. A graça como
dádiva absoluta, independente do esforço ou do mérito, tão diferente da justiça
quanto o é da necessidade, é o apanágio do divino.
O mito reportado por
Plutarco vem dar a conotação do consentimento a esse atributo divino e
identifica-o com a liberdade na relação entre o homem e a mulher, como força
vencida e convencida.
Mais uma vez, a coisa
mais terrena e mais carnal é a origem necessária da transfiguração espiritual.
O inferior sustenta o superior, dizia Comte.
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