sábado, 15 de janeiro de 2011

A GRAÇA E O CONSENTIR

As três Graças (Canova)


“’Nada de belo e de amável acontece aos homens sem as Charites (Χάριτες)’ diz Teócrito. Mas de que maneira as Charites vieram ter com os homens? Como três brutas pedras caídas do céu, em Orchomene. Só numa época tardia se colocaram estátuas juntos dessas pedras. O que cai do céu é o que não se pode dominar, nunca. E o homem, no entanto, deve conquistar essas pedras, ou essas jovens de belas tranças, se quiser que os seus cantos estejam ‘cheios da respiração das Charites”. Como fazer? Das Charites passou-se a charis, das Graças à graça. E Plutarco indica-nos qual é a relação com ela: ‘os antigos, Protógenes, chamaram charis ao consentimento espontâneo da mulher ao macho.” A graça, portanto, o inconquistável, dá-se somente àquele que a conquistar pelo assédio erótico, sabendo ao mesmo tempo que nunca poderá entrar na citadela se a citadela não se abrir, com a graça.”

“Les noces de Cadmos et Harmonie” (Robert Calasso)



Muito antes da psicanálise, vemos aqui uma tentativa de tudo explicar com a chave erótica, diferente, sem dúvida, dos nossos mitos sexuais, mas igualmente ambiciosa. “Se fizermos fé nas confidências de Hera, a sua esposa-irmã, Zeus ‘não cometia outra proeza senão a de entrar no leito das imortais como no das mortais.’

Sobretudo, se compararmos esse erotismo com o seu desenvolvimento teológico. A graça como dádiva absoluta, independente do esforço ou do mérito, tão diferente da justiça quanto o é da necessidade, é o apanágio do divino.

O mito reportado por Plutarco vem dar a conotação do consentimento a esse atributo divino e identifica-o com a liberdade na relação entre o homem e a mulher, como força vencida e convencida.

Mais uma vez, a coisa mais terrena e mais carnal é a origem necessária da transfiguração espiritual. O inferior sustenta o superior, dizia Comte.

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