Tenho diante de mim uma reprodução do quadro de Veronese, "Vénus e Adónis", cujo original se encontra no Museu do Prado. Tem o tamanho de um postal. Posso examiná-lo com a minúcia que quiser e sem ter de suportar o peso do corpo sobre as pernas que já percorreram uma longa avenida e atravessaram várias salas até chegar à tela de 212 × 191 cm do pintor de Verona, que mostra um jovem adormecido no regaço de uma beleza loira e um pouco estrábica como convinha.
Sei, no entanto, de quem faça uma grande viagem para ver o que se encontra reproduzido com altíssima qualidade (e sem o reflexo dos vidros ou uma iluminação inadequada) em muitos álbuns de arte.
O que é que me traria, pois, de especial uma nova visita ao Prado para ver este quadro?
Digamos que não veria só com os olhos e a fadiga de o procurar só por si encareceria o seu valor. Essa experiência faria parte de um contexto ao mesmo tempo físico e estético (para além de outras dimensões evidentes) que tornariam a contemplação de um álbum em algo de abstracto e de repetitivo (quantos quadros não posso "visitar" com um simples voltar de páginas?).
Em Proust, o célebre Bergotte, já velho e doente, arrisca sair de casa para ver uma exposição de Vermeer em exibição no Louvre. A descoberta daquela pincelada amarela na "Vista de Delft" leva-o a uma grave reflexão sobre o seu destino de artista e a imprudência de ter deixado o leito, o esforço e as emoções apressam a sua morte.
Se Bergotte dispusesse das nossas reproduções nem sequer haveria matéria romanesca.
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