"- 'Estás a dizer-me a verdade? Não fui, pois, mais idiota do que me posso capacitar? É verdade que não passei a vida agarrado a uma esperança vã, a uma ilusão completamente cega? Que não estive somente à espera de levar com a porta na cara?'
Ela voltou a abanar a cabeça. -'Seja qual for a situação, isso não é verdade. A realidade, seja ela qual for, é realidade. Ninguém fechou a porta. Continua aberta.' Disse May Bartram.
'- Então está para acontecer qualquer coisa?' Ela fez outra pausa sempre com os olhos frios e meigos fitos nele. '- Nunca é tarde de mais.'"
"A Fera na Selva" (Henry James)
O que John Marcher quer de May é precisamente essa porta entreaberta, uma fidelidade que não lhe exija nada em contrapartida. E o jeito de May não podia ser mais passivo. Sem sombra de dúvida, ela amou-o ao ponto de ser para ele essa presença sem corpo.
A sua morte, não tão súbita que não se fizesse anunciar por inúmeros sinais que ele não via, deixou-o na situação que ele mais receava: a de se sentir traído e da sua história não ter passado, afinal, de uma banalidade.
O que ele mais inveja, na cena final do cemitério, ao viúvo da campa do lado, era a espécie de fome que o seu rosto expressava. Esse homem não escondia a sua dor.
John Marcher viu "a Selva da sua vida e viu a Fera; e percebeu, talvez pelo movimento do ar, que se erguia vasta e horrenda formando o salto para terminar com ele. Escureceram-se-lhe os olhos – estava próxima; e naquela alucinação, voltou-se instintivamente para lhe fugir e atirou-se para cima da campa de cara para a terra."
Quando May dizia que a realidade é sempre a realidade, incluía também o egoísmo de Marcher?
A moral do conto implica que se May o amou, tal como ele era, conheceu de facto o real. Enquanto ele, utilizando-a para a sua rêverie, não saía de si próprio e, logo…
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