The nightmare (Johann Fussli)
O espírito dorme na forma. O formalismo pode, inclusive, virar-se contra a legalidade que o justifica, tornando as leis inviáveis. Uma greve de zelo, por exemplo, apoia-se nessa ambivalência da forma. O aparente paradoxo de se contrariar a lei a partir duma aplicação que não tenha em conta as circunstâncias, é apenas a expressão da fragilidade do real e dos esforços humanos para o manter na visibilidade.
O desprezo bolchevique pelas formas não era de modo nenhum absoluto, como se viu logo que o regime pôde assegurar o seu próprio formalismo. Dirigia-se apenas a uma legalidade na história e, por isso, ultrapassada. As chamadas liberdades burguesas revelaram-se, afinal, com mais vida do que pensaram os seus sistemáticos detractores. Mas a fé que a sustenta encontra-se em risco, desde que as alternativas sofreram a derrocada dos seus muros ou se embrenharam no fanatismo religioso.
A fé com mais de uma hora é já velha, diz Musil.
É um sinal, pois, de que o vácuo se instalou quando o formalismo fica entregue a si mesmo, e a jurisprudência não o revitaliza dum modo criativo.
Em muitos casos, vemos hoje que toda e qualquer irregularidade (no sentido do desvio do literal), mesmo que não tenha qualquer expressão no essencial do que é suposto ser protegido pelos artigos da lei, confere ao primeiro embalsamador de formas o direito de atentar contra o que é vivo nas sociedades e nas organizações.
Chegamos ao ponto, por isso, de reconhecermos que os danos da exactidão não se podem de modo nenhum comparar com os de qualquer entorse do formalismo.
Esta situação só se pode compreender, à luz do próximo passado e duma luta histórica entre Anjos e Demónios.
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