A Revolução de Outubro tem um momento simbólico como o é a Tomada da Bastilha para a Revolução Francesa. Os acontecimentos de 1789 encerram em si todo o significado da luta contra a opressão e todo o prestígio da Liberdade, embora saibamos que nada se decidiu com a destruição da fortaleza e que alguns horrores mancharam a fama de generosidade dos sentimentos populares.
Foi o cinema que, retrospectivamente, captou o simbolismo da Revolução de 1917. E o seu “momento” é a imagem de um marinheiro escalando o portão do Palácio de Inverno. Parece o Anjo Exterminador fazendo justiça. Segue-se o movimento da massa irrompendo pelos salões do que é hoje o Hermitage até encontrar o que restava do governo de Kerenski.
Tudo isto nos empolga graças ao poder das imagens e à sábia montagem de Eisenstein, a que se juntou, alguns anos depois, a sugestiva música de Shostakovich.
Mas a realidade não exigiu tanta metralha nem tanto heroísmo, e a prisão dos ministros foi quase um passeio ao centro histórico.
Assim, Eisenstein foi muito mais do que um grande cineasta. Criou uma lenda que sempre há-de inspirar os oprimidos (coisa que uma crónica segundo os factos nunca alcançaria).
Mas, como diria John Ford (“O homem que matou Liberty Valence”), se a história contradiz a lenda, publique-se a lenda (porque vende jornais, acrescentaria o cínico).
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