sábado, 18 de setembro de 2010

INVENTAR A LARANJA


Escher - Casca


Esqueçamos que tal como o verde e o azul, hoje, são cores mais conotadas com o céu e o mar do que com as facções do hipódromo de Constantinopla, também a cor do fruto da laranjeira se deve libertar do nome dum banco ou dum partido.

Porque, precisamente, me apetece tecer loas à laranja, essa bênção que nos veio da Ásia e está ligada a um dos trabalhos de Hércules.

A pele martelada (como o vidro) oferece alguma resistência aos dedos e deixa nas unhas a fibra azeda da sua placenta. Mas com a faca, conseguem-se espirais à Escher.

Depois, um globo de semi-luas a rebentar de sumo aparece no seu instável equilíbrio. São os gomos, cada qual por detrás da sua película é uma miríade em abismo de pequenos crescentes.

Percebe-se que não tenha sida escolhida para a cena bíblica da tentação. A dentada que conserva no fruto a marca do pecado aqui era por de mais violenta. A plenitude de cada gomo confunde-se com a boca numa mesma inundação.

O milagre da transformação da luz em água está em cada laranja, escondido na pilha do supermercado.

A perfeição do fruto não poderá nunca ser alcançada. E na publicidade assiste-se à perseguição dum natural mais autêntico do que a natureza. Temos o sumo sem ingredientes, e a polpa. E em breve teremos também a própria forma do fruto, num segundo grau. Porquê este caminho sinuoso?

Não temos que inventar a laranja. Mas talvez tenhamos perdido a simplicidade.

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