A Vénus de Milo
"(…) a sua poesia não defende nem ilustra os 'valores', é preciso confessá-lo, mas nem por isso é desinteressada; a Vénus de Milo é uma obra helenística por excelência e seria difícil aliar mais sensualidade directa, ingénua, popular, a um modelo tão complexo, tão refinado, tão astucioso. A estética de Calímaco é triunfal; ela triunfa do verdadeiro e do falso, repousa sobre uma inteligência superior que compreende tudo, não crê em nada e nem por isso desdenha seja o que for."
"L'Élégie érotique romaine" (Paul Veyne)
Da atitude dum Calímaco (310 a.c./240 a.c.) em relação à mitologia grega, em que já não pode crer, como a maioria dos seus contemporâneos, e que se traduz no aforismo de Ovídio: "É útil que haja deuses e, uma vez que é útil, pensemos que os há" ("Ars amatoria"), um grande passo é dado para o cinismo posterior, que é o melhor indício do desprezo. Uma nova religião só pode ser cínica para com os vestígios da que a antecedeu.
Algo dessa descrença "interessada" do helenismo pelos mitos parece caracterizar a nossa época em relação à religião (na maioria dos "desafectos", evidentemente).
O turismo cultural é uma das formas de evidenciar esse interesse e esse respeito pelo passado. Se não compreende a religião, nem sabe no que realmente crê, o nosso "helenismo" parece , como Calímaco, interessar-se por tudo. E não é o que Veyne diz sobre a Vénus de Milo um ideal democrático?
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