segunda-feira, 24 de maio de 2010

JUSTIÇA DE UM DIA



"As pessoas descontraem-se completamente. Não têm aquela energia ferozmente tensa, essa resolução misturada de angústia tantas vezes observadas nas greves. Estão resolvidas, certamente, mas sem angústia. Estão felizes, cantam, mas não A Internacional, não a Jovem Guarda; cantam-se canções, muito simplesmente e está muito bem. Alguns dizem piadas, de que se riem para se ouvirem rir. Não são más. Claro que estão felizes por fazerem sentir aos chefes que eles já não são os mais fortes. É de facto a sua vez. Isso faz-lhes bem. Mas ninguém é cruel. Está toda a gente demasiado contente. Evidentemente, não se acredita que tudo vá mudar, mas tem-se confiança. Há a certeza de que os patrões vão ceder. Acredita-se que um novo golpe acontecerá ao fim de alguns meses, mas todos estão preparados. Diz-se que se alguns patrões fecharem as suas fábricas, o Estado tomará conta delas."


"La vie et la grève des ouvrières métallos" (Simone Weil)


Foi assim durante o Governo da Frente Popular, em 1936, segundo Simone Weil. Fábricas ocupadas, plenários e canções, num clima de libertação e de grande esperança.

Quem viveu o 25 de Abril sabe o que isso é. Mas no nosso caso, dava-se, ao mesmo tempo, uma mudança de regime que tornava a ideia da libertação imediatamente política, carreando os sonhos que não sabíamos que sonhávamos, porque as frustrações, essas eram bem reais.

Há no testemunho de SW um acento que não engana. Os acontecimentos eram vividos como se fosse a primeira vez e nenhum precedente, nenhuma "lição da história" lançava a sua sombra sobre a mais louca das esperanças.

Nunca mais os chefes serão olhados daquela maneira, como se a organização não fosse uma necessidade, independentemente das pessoas que a põem a funcionar. E algum francês (ou português), tirando alguns abecerragens, se reverá hoje neste retrato da filósofa que não se queria "en vadrouille dans la classe ouvrière"?: "Para todo o Francês, o Estado é uma fonte de riqueza inesgotável. A ideia de negociar com os patrões, de obter compromissos, não ocorre a ninguém. Querem ter o que pedem. E querem tê-lo porque as coisas que pedem desejam-nas, mas sobretudo porque depois de se terem vergado durante tanto tempo, quando, enfim, levantam a cabeça, não querem ceder. (…) Depois de passivamente terem executado tantas e tantas ordens é demasiado bom poder, enfim, dá-las àqueles de quem as recebiam."

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