sábado, 22 de maio de 2010

ANTI-PETRARQUISMO


Francesco Petrarca (1304/1374)

"Anti-petrarquismo: os dois épodos e a sátira de Horácio sobre as feitiçarias de Canídia, a fealdade da mulher do soneto CXXX de Shakespeare, a 'Vénus Anadyomène' de Rimbaud, os sonetos de Saint-Amant e de Téophile de Viau sobre as velhas e as feias, os epigramas de Marcial ou os Épodos de Horácio sobre as velhas lúbricas e venais, 'La Vieille Heaulmière' de Villon. Sem esquecer a frigidez, 'a fria majestade da mulher estéril' de que fala Baudelaire, só faltando a respectiva adjectivação, donde os 'gelos' de que muitas vezes falam os 'Sonetos pour Hélène' de Ronsard, ou o soneto I, 171 do 'Canzoniere' do mesmo Petrarca, ou a 'Princesa de Clèves', altaneira desmistificação duma mulher fria e preocupada sobretudo com a sua tranquilidade, no que ingénuos viram uma exaltação cornelliana da fidelidade conjugal."

"L'élégie érotique romaine" (Paul Veyne)


Esta resenha não significará uma tradição (cujo impeditivo não seria saltar-se do século de Augusto para o Segundo Império, em França), mas a idealização da mulher na figura de Laura tem tão pouco a ver com a mulher em qualquer das épocas que não nos choca imaginar o extremo oposto.

A fealdade e a velhice são bons assuntos da sátira só quando julgam que as ilusões que têm sobre si próprias as mantêm em pé de igualdade com a beleza e a juventude, perante os outros. Veyne, porém, inclui no anti-petrarquismo a frigidez, que pode ser, a da mais bela das "estátuas", e isso faz com que o verdadeiro motivo da des-idealização não seja tanto a mulher frígida quanto a frustração do amante.

No soneto de Rimbaud (ver abaixo), por outro lado, fala a mais feroz das misoginias atacando um dos símbolos eróticos da Antiguidade (Afrodite que emerge do oceano), descrevendo a mulher com a incompreensão do que usa como termo de comparação um modelo anoréctico (ou do outro sexo).


Venus Anadyomène


Comme d'un cercueil vert en fer blanc, une tête
De femme à cheveux bruns fortement pommadés
D'une vieille baignoire émerge, lente et bête,
Avec des déficits assez mal ravaudés;

Puis le col gras et gris, les larges omoplates
Qui saillent; le dos court qui rentre et qui ressort;
Puis les rondeurs des reins semblent prendre l'essor;
La graisse sous la peau paraît en feuilles plates:

L'échine est un peu rouge, et le tout sent un goût
Horrible étrangement; on remarque surtout
Des singularités qu'il faut voir à la loupe…

Les reins portent deux mots gravés: CLARA VENUS;
—Et tout ce corps remue et tend sa large croupe
Belle hideusement d'un ulcère à l'anus.


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