quinta-feira, 6 de maio de 2010

O ANTRO DA SIBILA


A Sibila de Cuma (Miguel Ângelo)


"As escavações decisivas em Cuma não estão longe no tempo. Maiuri dirige-as, se não me engano, entre 1924 e 1932. Acreditou-se primeiro que o famoso antro fosse uma galeria romana, gigantesca e tortuosa escavação levada a cabo para fins militares, que atravessa o monte de Cuma. Em vez disso, é uma obra esplêndida, mas mais tardia. A descoberta do verdadeiro antro não permite mais dúvidas, tanto ele corresponde à descrição poética que deixou Virgílio. O antro é uma galeria direita com mais de 130 metros, cujo tecto nem é à volta nem plano, antes trapezoidal como a porta de Micenas; os arcos sucessivos fazem lembrar uma fuga de espelhos. A galeria escavada na rocha costeia o monte; de algumas aberturas irrompe a luz e a vista do céu. Uma fila de portas, as cem e cem de que fala Virgílio, dividia a galeria em secções; restam hoje ainda os umbrais. Ao fundo é a câmara com três nichos onde a Sibila sentada no trono emitia os oráculos e repousava depois do rapto profético."

"Viaggio in Italia" (Guido Piovene)


Este vestígio admirável do que foi um lugar de romagem do paganismo, "em tempos em que era potente o sentimento universal do sagrado", que inspirou o maior poeta latino e a própria liturgia cristã ( o autor confessa a sua admiração pelos versos do Dies Irae, "nos quais a profecia de David sobre o fim do mundo é comparada à da Sibila Cumana"), "era propriedade dum único lavrador rico, grande produtor de vinho, chamado o tirano de Cuma, já que era preciso negociar com ele qualquer trabalho de escavação."

Como um aluvião, a história soterrou a antiguidade sob o palco de novos actores e duma nova distribuição dos papéis. E é tão desconforme, neste caso, a noção de propriedade com a importância universal do que é o objecto desse direito que o valor da primeira ruína, por não ter inaugurado um "novo mundo", devia ter passado tão desapercebido como, para os guardas adormecidos, a ressurreição do Cristo.

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