domingo, 1 de novembro de 2009

O VALOR DO TEMPO



"Isso mostra até que ponto grande parte da experiência humana é susceptível à abreviação, até que ponto é fácil destituí-la dos sinais mais óbvios que nos levam a atribuir importância a algo. Grande parte da literatura e do teatro ter-se-iam revelado completamente desinteressantes, e não nos diriam nada, se tivéssemos tomado contacto com o seu tema, pela primeira vez, ao pequeno-almoço sob a forma de uma notícia breve de jornal. 'Fim trágico para dois namorados de Verona: depois de, por engano, julgar a sua amada morta, um jovem pôs fim à própria vida. Tendo descoberta o destino do apaixonado, a mulher suicidou-se.'"

"Como Proust Pode Mudar a Sua Vida" (Alain de Botton)


Podia atribuir-se a motivação de algumas pessoas para a síntese e a abreviação à procura da eficácia e ao horror da perda de tempo. Para quê ler a "Guerra e Paz" se o "Reader's Digest" nos dá a conhecer os extractos presumidamente mais interessantes?

Ora, Proust desenrola as suas frases-serpentina como se tivéssemos todo o tempo do mundo: "(…) sendo que a mais longa, localizada no quinto volume, teria, se disposta em linha recta em corpo de texto normal, pouco menos de quatro metros e daria 17 voltas em torno da base de uma garrafa de vinho." (ibidem)

Talvez que, neste caso, se trate de um "tour de force" como o de Hitchcock ao filmar "A Corda" em planos longos e quase sem mudar a posição da câmera. Talvez que seja a expressão daquele dito popular sobre as cerejas.

O certo é que este é o romance do tempo e quem o ler com o relógio na mão não pode atravessar o pórtico para o sublime.

Como o demonstra aquela referência ao "Romeu e Julieta", é impossível resumir. Não é que o resumo não seja compreensível e que não seja útil para outros fins que não os da arte, não, isso impede-nos, sobretudo, de amar a peça de Shakespeare.

Ao envolver-nos numa experiência profunda da arte, Proust aponta-nos o remédio para a vida adormecida ou sem sentido: "O cataclismo não acontece e nós nada fazemos porque estamos de novo no centro da vida normal, onde a negligência adormece o desejo. E, porém, não deveríamos precisar do cataclismo para amarmos a vida de hoje. Deveria ser suficiente pensar que somos humanos e que a morte pode chegar esta noite."



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