"O enterro do Conde de Orgaz" (El Greco)
"(…) então, tal como o Cristo esplendoroso e alvíssimo do Enterro de Orgaz, aparece-nos e pergunta-nos alguma coisa. Já não somos nós que entendemos a arte, que estudamos as épocas, que valorizamos, que pensamos, mas sim nós que somos obrigados a responder. A quê, a que respondemos nós? Nunca o saberemos talvez. Com os seus vestidos lavados da cor terrestre, o Cristo suspende sobre nós o olhar firme e sem arrebatamento algum. Então vemos que estamos nus, andrajosos e cobertos de poeira; vemos que somos pecadores sem o peso da culpa, apenas a fadiga dela; vemos que do fundo das nossas penas e perplexidades não somos mais do que figuras que, sob falsas cavilações, se exilam da contemporaneidade do milagre."
"Embaixada a Calígula" (Agustina Bessa-Luís)
Agustina quis ver uma pergunta no Cristo exangue que do alto da pirâmide humana nada contempla, mas tudo dá a ver, como no manuscrito desenrolado do que "já estava escrito".
Como diletantes da arte, ou especialistas das cláusulas, trazemos a nossa verdade circular.
Mas esta alegoria da vida e da morte confronta-nos com uma revelação. Cristo diz-nos como as coisas se passam, ele, "com os seus vestidos lavados da cor terrestre", parece o resultado duma evaporação da cena em baixo, que transformasse a riqueza das vestes dos fidalgos, as suas rendas e brocados, na nudez de Job.
E a pergunta nasce de tudo isto fazer sentido e de tornar absurdas as nossas "cavilações". Porque se é assim, deveríamos mudar as nossas vidas.
Um dia destes, vi no altar do Bom Jesus, em Braga, todo um teatro de figuras paradas em volta de Cristo. É uma outra versão da história de Pompeia. A erupção do Vesúvio parou os gestos. Katherine (na "Viagem a Itália") não suporta o significado "pessoal" dessa catástrofe antiga. Deveria ser este o milagre?
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