quarta-feira, 25 de agosto de 2010

O FIM DAS ESPÉCIES?


Alain Delon no papel de Barão de Charlus


"Era, aliás, só em relação aos homens que o Sr. de Charlus era capaz de sentir ciúme no que dizia respeito a Morel. As mulheres não lhe inspiravam nenhum. É aliás a regra quase geral para os Charlus. O amor do homem que amam por uma mulher é qualquer coisa que se passa numa outra espécie animal (o leão deixa o tigre em paz), não os incomoda e até os faz sentir mais seguros. Algumas vezes, é verdade, naqueles que fazem da inversão um sacerdócio, esse amor enoja-os. Censuram então o seu amigo por se lhe ter entregue, não como de uma traição, mas como de uma decadência."

"Sodoma e Gomorra" (Marcel Proust)


Este texto parece, em 2010, um século depois, tão estranho como os costumes bárbaros terão parecido ao heleno da grande época.

Não foi uma mudança progressiva, pode dizer-se. Foi uma espécie de degelo que mudou a paisagem em poucos anos. Parece já não haver diferença entre tigres e leões, e o "sacerdócio", quando existe, porque há fundamentalismo em toda a parte, já não vê uma barreira entre as "espécies".

Procurar-se-á sempre, por certo, nos costumes do mundo correcto, os traços do animal pré-histórico que inspirou monumentos como a "Recherche", quando tinha algum sentido dar vivas à diferença, pequena ou grande.

Sabemos, além disso, que não é o paganismo que está de volta. Mesmo se nos propõe o abandono dos tabus que restam, ele não é futuro nenhum. Porque as diferenças que podíamos assacar à Natureza e que considerámos outros tantos entraves à igualdade, terão, por certo, de ser substituídas por outras, artificiais, que salvaguardem a nossa capacidade de adaptação a um mundo cada vez mais complexo.

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