quinta-feira, 12 de agosto de 2010

ABSTENÇÃO


Peter Sloterdijk



"É o sinal dos tempos da técnica e da antropotécnica que, cada vez mais, os homens vão parar por casualidade à parte activa ou subjectiva da selecção, inclusivamente sem terem tido que esforçar-se intencionalmente para alcançar o papel do que escolhe. Cabe além disso afirmar o seguinte: existe um mal-estar no poder de escolher, e depressa chegará a ser admissível como opção para a inocência que os homens se neguem explicitamente a exercer o poder de escolha depois de terem lutado realmente por consegui-lo."


"Normas para el parque humano" (Peter Sloterdijk)


O poder de escolher só existe enquanto não soubermos tudo, enquanto o resultado for incerto. É esse o espaço da liberdade humana e o que permite a vida moral.

Mas o que se passa quando percebemos que na realidade somos comandados pelo acaso e que, cada vez mais frequentemente, somos levados a "escolher" aquilo que não podemos pensar, nem quereríamos acaso soubéssemos?

É então defensável que o homem se recuse o falso poder duma escolha (já é o que se passa com muito da abstenção nos sistemas eleitorais). Mas será sempre uma inocência difícil de provar aos que crêem. Dirão: pela tua omissão fizeste com que acontecesse.

Quer dizer, o sistema moral não deixa ninguém de fora: uns pensando que agem mesmo para os fins que não quiseram; os outros julgando que não contribuem para esses fins quando se abstêm.

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