O que é que pode arrancar um homem à sua "apagada e vil tristeza", sem consultas de psiquiatria, nem mais esforço do que um passeio pelo bosque, que outra coisa o pode redimir de ser um Zé-ninguém, desprezado por cão e gato, e, com um pequeno gesto, desencadear as Fúrias, castigando o país modorrento das férias de verão? Com esse quase estalar de dedos – porque a floresta está ali, passiva e à mercê, como a paisagem urbana para os taggers – obrigar à luta estrénua de centenas ou milhares de homens, que pode levar à morte de alguns, enfim até à tragédia? Que poder é mais fácil e descomplicado do que este que durante umas horas ou, no melhor, uns dias, põe tantos em sobressalto e, como é merecido, tem o primeiro lugar nas páginas da imprensa escrita e do telejornal?
É isto o sinal de alguma coisa para além do desequilíbrio mental? É isto um caso de polícia ou, como diz o articulista no "Público" de hoje, simples ineficiência económica: "Os fogos são um problema de ineficiência da economia, não são um problema de polícia. A actual severidade dos fogos resulta da falência das economias que usavam a biomassa que produzimos abundantemente: a agricultura que usava o mato para estrumar a terra e a pastorícia que removia a biomassa através de animais, com o apoio de queimadas de baixa intensidade." (Henrique Pereira dos Santos)?
O certo é que nenhuma reprovação moral funciona, nem parece haver meios para defender o que arde. A situação é ideal para aqueles que se julgam vítimas da sociedade tirarem a sua cobarde desforra.
Quanto aos interesses económicos – que os há, evidentemente – não é crível que não ofereçam pistas à polícia, se esta estiver apostada em descobrir o crime. Devia ser tão óbvio como, noutros casos, aquela famosa dica do "cherchez la femme".
0 comentários:
Enviar um comentário