quarta-feira, 24 de junho de 2009

O ROMÂNICO INTERIOR



"A mesma inspiração resplandece na arte românica. A arquitectura, embora tomando de empréstimo a forma a Roma, não tem qualquer preocupação de poderio ou de força, mas unicamente de equilíbrio: em vez disso, há algo de contaminado pela força e o orgulho no élan das flechas góticas e na altura das cúpulas ogivais. A igreja românica está suspensa como uma balança à volta do seu ponto de equilíbrio que repousa apenas no vazio e que é sensível sem que nada assinale a sua localização. É o que é preciso para conter esta cruz que foi uma balança onde o corpo do Cristo foi o contrapeso do universo. Os seres esculpidos nunca são personagens; não parecem nunca representar; eles não sabem que os vemos. Mantêm-se de um modo ditado apenas pelo sentimento e pela proporção arquitectural. O seu carácter tosco é uma nudez. O canto gregoriano sobe lentamente, e no momento em que se crê que se vai afirmar, o movimento ascendente é quebrado e abaixado: o movimento ascendente é continuamente submetido ao movimento descendente. A Graça é a fonte de toda esta arte."

"En quoi consiste l'inspiration occitanienne" (Simone Weil, sob o pseudónimo de Émile Novis)


Esta maravilhosa descrição da arte românica não assenta em nenhum formalismo, em nenhum saber de construção ou sequer na física dos edifícios. Em vez de explicar a rudeza das igrejas românicas pelo estado da técnica, Simone Weil dá-nos, com toda a poesia de que é capaz, uma imagem em negativo da arte moderna que, já desde o gótico, teria perdido a simplicidade e, como ela diz, a graça.

Faz, claro, todo o sentido pensar-se que numa época de fé intensa, a construção dos templos, seguindo embora uma tradição técnica, fosse, dum modo invisível, mas muito presente, inspirada pelo sentimento religioso e não pela vaidade e pela ostentação. O recolhimento da oração pede aquela penumbra e aquela nudez dos muros. A luz que entra por todo o lado, filtrada pelos vitrais, nas catedrais góticas convida a outro tipo de religiosidade e de consciência. O exterior e o supérfluo invadiram, com a nova arte, esse espaço em que o homem se entretinha com um deus íntimo e afastado da cidade. A partir do gótico, tudo convoca a nossa atenção, e o próprio realismo das figuras nos arranca da meditação. Os "seres esculpidos" estão ali para ser vistos, de facto, num espectáculo que o barroco levou ao limite da irrelevância. Não fazem parte da grande influência invisível da arquitectura piedosa. São argumentos e figuras de retórica, como o demonstra o seu gesto suspenso.

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