"Porque nós dizemos a morte para simplificar, mas há quase tantas mortes quantas as pessoas. Não possuímos o sentido que nos permitiria ver, correndo a toda a velocidade em todas as direcções, as Mortes, as mortes activas dirigidas pelo destino para este ou aquele. Muitas vezes são mortes que não ficarão inteiramente libertas da sua tarefa senão dois ou três anos depois. Elas correm velozmente a pôr um cancro no flanco de Swann, depois partem para outras tarefas, só voltando quando a operação dos cirurgiões tendo já tido lugar é preciso de novo pôr o cancro."
"La Prisonnière" (Marcel Proust)
O destino parece uma ideia ingénua nos tempos que correm. Não há destino, desde a certidão de óbito passada por Nietzsche. Quando muito há acaso que de bom grado escreveríamos com maiúscula, por saudade do sentido.
Por outro lado, cada dia descobrimos novas provas de que fazemos parte duma cadeia de causalidade onde parece que jogamos um papel aleatório que influi tanto no curso das coisas como atravessar uma onda no oceano.
Tudo isso pode ser ignorado para viver, com todos os sentidos, o drama humano.
As mortes pessoais imaginadas por Proust são uma boa metáfora para compreender o incompreensível. É como a matéria e a anti-matéria que se complementam. Quando alguém nasce, a sua morte desponta no horizonte e toda a vida dessa pessoa é seguida pela sombra que é inteiramente sua.
Até o dia em que, apesar da perícia dos cirurgiões, Swann é atravessado pela luz sem fazer sombra, reunindo-se enfim as duas partes do símbolo.
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