quinta-feira, 18 de junho de 2009

A CERIMÓNIA



Há no filme de Claude Chabrol, "La Cérémonie" (1995), uma utilização perversa da linguagem da luta de classes como sintoma dum crime sem punição. A amizade de Sophie (Sandrine Bonnaire) e Jeanne (Isabelle Hupert), ambas com um passado aos seus próprios olhos criminoso (mas desvalorizado por uma frivolidade plástica, como numa operação plástica) é o encontro irresistível de duas forças negativas que têm de cumprir o mesmo destino que é o de atrair o castigo suspenso desde o crime.

Sophie é a nova criada na bela mansão dos Lelièvre, de quem esconde o seu analfabetismo com o zelo de quem oculta um assassínio (o do próprio pai, pegando fogo à casa). Pelo seu lado, a azougada ruiva dos Correios tem na consciência a morte do seu bebé, por negligência. O seu ódio à burguesia, que mais não é do que um avatar do ódio a si própria, escolhe por alvo os patrões de Sophie.

Tudo é mobilizado nesta falsa luta de classes (que é apenas a vitrina do verdadeiro palco), desde o requinte decorativo da mansão, ao televisor que Jeanne inveja, à música de Mozart.

É quando a família Lelièvre se encontra enterrada nos sofás, como que à espera do massacre, assistindo religiosamente a uma récita do "Don Giovanni" que as duas harpias descem para a matança com as armas de caça do patrão.

O crime pode ser o caminho mais curto para a expiação.

0 comentários: