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"Desde havia algum tempo, a sua afectação da vista tendo piorado, ele tinha sido dotado - tão ricamente quanto um laboratório – de óculos novos que, potentes e complicados como instrumentos astronómicos, pareciam aparafusados aos seus olhos. Ele assestou em mim os seus faróis excessivos e reconheceu-me. Estavam em maravilhoso estado. Mas por detrás deles, percebi, minúsculo, pálido, convulsivo, expirante, um olhar distante colocado sob esse potente aparelho, como nos laboratórios, profusamente subvencionados para as tarefas que aí se realizam, se coloca um pequeno animal insignificante agonizando sob os mais aperfeiçoados aparelhos."
"Sodome et Gomorrhe III" (Marcel Proust)
Este encontro com Brichot deve ser um daqueles trechos que Proust teria gostado de polir, se tivesse tempo. Mas a ideia é eloquente por si mesma. Ocorre-nos, como nalguns filmes de ficção científica, a imagem de um cérebro palpitante e indefeso mergulhado na solidão das máquinas.
O contexto desta passagem é o da morte (de Swann) que "basta para fazer dum vivo alguém que já não pode responder àquilo que se lhe diz, um nome, um nome escrito, transitado subitamente do mundo real para o reino do silêncio." Brichot, o catedrático, ainda se encontra no mundo real, graças a uma prótese que lhe permite reconhecer Marcel. Mas o velho professor, todo ele e não apenas os seus olhos, é esse "pequeno animal agonizante".
Que complexidade devem ter esses aparelhos que nos permitem captar as últimas mensagens da visão moribunda ou aquelas que nos chegam de outras capturas no espaço e no tempo!
Mas a metáfora de Proust dá conta duma agressão evidente, da qual somos as vítimas aquiescentes.
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