Edmund Husserl (1859/1938)
"O verdadeiro irreparável apresenta-se frequentemente sob a forma – ilusória – dum mero acidente. Às vezes, sobre a imperceptível linha de fronteira que tranquilamente ultrapassamos, confiantes em que isso não terá qualquer consequência, ergue-se uma muralha capaz de verdadeiramente separar alguns homens dos outros. Por outras palavras, se bem que eu nunca tenha sentido qualquer entusiasmo pelo velho Husserl, nem no plano objectivo, nem no pessoal, retenho dever-lhe, neste caso, a minha solidariedade. E uma vez que sei que aquela carta e aquela assinatura pouco menos do que o mataram, não posso fazer menos do que considerar Heidegger como um potencial assassino."
Hannah Arendt, em carta de 1946 a Karl Jaspers (citado por Antonia Grunenberg, "Hannah Arendt e Martin Heidegger, Storia di un amore")
Trata-se da circular de 1933 que Heidegger assinou como reitor, vedando o acesso da Universidade de Freiburg aos professores judeus, que atingiu Edmund Husserl, seu mestre.
Heidegger nunca se justificou e a aluna judia Arendt que teve, na sua juventude, uma relação amorosa com o seu professor não foi mais longe na sua condenação. Potencial assassino não define o acto do reitor. Podemos imaginar que lhe tenha custado algumas noites de insónia, mas nessa altura, Heidegger, apesar da sua grande cultura, era um alemão como tantos outros sob o fascínio dum novo e bárbaro poder, em que a sua filosofia parecia encontrar um eco ainda que muito distante. Não foi uma capitulação do espírito, mas uma nova edição do erro de Platão e da sua aventura com o tirano de Siracusa.
Talvez por isso, a ruptura nunca se tenha dado entre Hannah Arendt e Heidegger. Mas como gostaríamos de conhecer a "curvatura" que os sentimentos produziram na argumentação defensiva de uma parte e nos da tolerância de outra!
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