terça-feira, 17 de março de 2009

UM TARTUFO SEM MÓBIL


Tartuffe (Molière)


"Parecia-me, suspeitava que Fryderyk, que entretanto se tinha ajoelhado, "rezava" também ele - e até, estava seguro disso, sim, conhecendo bem a sua poltronaria, estava certo de que ele não fazia de conta, mas que realmente "rezava" - dito de outra maneira, ele não enganava simplesmente os outros, mas também se enganava a si mesmo. Ele "rezava" aos olhos dos outros e aos seus próprios olhos, mas a sua oração era apenas um biombo destinado a esconder a imensidade da sua não-oração... era portanto um acto de expulsão, um acto "excêntrico" que nos projectava para fora desta igreja no espaço infinito da não-fé absoluta, um acto negativo, o próprio acto da negação."

"La Pornographie" (Witold Gombrowicz)


A missa tinha sido privada de conteúdo "pelo comentário mudo mas assassino duma pessoa da assistência", prossegue o narrador.

Que poder de contaminação é este duma consciência que, embora "acerada, fria, penetrante, impiedosa" não transparece no mimetismo da personagem?

Como é que uma assistência piedosa poderia ser anulada pela presença do perfeito hipócrita? Este olhar que vê em Fryderyk um índice da verdade, uma amostra da realidade, e não a anomalia que de facto é, é o olhar da fé camaleónica.

Fryderyk, adoptando os gestos dos devotos não acenderá uma única centelha de fé em si próprio, como o pretende uma certa pedagogia jesuítica, porque não o faz num espírito de sinceridade.

Fryderyk, como adulto, está "envenenado pela morte". Por isso é que a sinceridade é nele uma força negativa e não uma força de conversão.

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