"Les Avocats" (Honoré Daumier)
"'-Você acabou de dizer ainda há pouco de que é completamente impossível ir para o tribunal com razões e provas.'
'-Só é impossível para as razões e as provas que você mesmo submeter', disse o pintor, levantando o seu indicador como se K. tivesse deixado escapar uma subtil distinção."
"O Processo" (Joseph Kafka)
No "Processo", K. é levado a procurar o pintor Titorelli, que trabalha para o tribunal. Ele pinta retratos de juizes ou de funcionários que gostam de se fazer representar nessa função. Dizem-lhe que o pintor poderá estar muito bem informado sobre o seu caso.
Mas o saguão de Titorelli está cercado por um bando estridente de crianças do sexo feminino que observam constantemente as visitas e tudo fazem para penetrar no assim-chamado estúdio. De facto, elas também "pertencem" ao tribunal.
A metáfora é à primeira vista intrigante, mas temos de nos lembrar que Kafka está à vontade na imagística e na sintaxe dos sonhos. Titorelli é, podia dizer-se, o intermediário da deusa da Vaidade que traz os togados à mansarda. É natural que conheça o lado fraco desses homens que dispõem do poder de vida e de morte.
O autor apenas sugere que as relações entre o pintor e as crianças são tudo menos saudáveis. Se a curiosidade do pequeno bando é assim excitada dum modo tão irresistível, é talvez porque que a pose dos retratados e o trabalho do pintor têm qualquer coisa de pornográfico.
Com esta cena, a espécie de justiça de que se trata ao longo do romance, chega ao extremo do ridículo, escoltada pelos diabretes aos gritos. E é assim que a situação de K. é tanto mais terrível. Sem deixar de ser cómica.
Kafka, aliás, costumava rir-se com gosto sempre que lia o rascunho aos seus amigos.
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