sábado, 14 de março de 2009

O EROTISMO REFLECTIDO




"Ela terá necessidade até duma forma superior de erotismo. Aquilo de que pelos meus estimulantes lhe ensinei a suspeitar, a minha frieza lho fará então compreender, mas de maneira a que ela pense descobri-lo por si própria. Graças a isso, quererá apanhar-me desprevenido, acreditará superar-me em audácia e por aí me prender. A sua paixão tornar-se-á então decidida, enérgica, conclusiva, dialéctica, o seu beijo total, o seu abraço dum ímpeto irresistível - ela procurará a liberdade em mim e encontrá-la-á tanto melhor quanto mais eu a enlaçar. O noivado romper-se-á, e depois ela terá necessidade dum pouco de repouso, para que nenhuma fealdade se produza neste tumulto selvagem. A sua paixão recolher-se-á uma vez mais, e ela será minha.

"Journal d'un séducteur" (Sören Kierkegaard)


No cálculo do sedutor, Cordélia deverá passar duma paixão ingénua à paixão reflectida. Ele simula desinteressar-se, obrigando-a a recorrer a um artifício. "Porque ela sabe que eu possuo o erotismo", pensa, procurará vencê-lo nesse terreno.

A reflexão é o que o leva a considerar-se possuidor do erotismo (em vez de por ele ser possuído). O misterioso papel do erótico no amor é desviado para uma espécie de guerra, com as suas tácticas e as suas emboscadas.

Toda esta conjectura do sedutor é caracteristicamente misógina. A dar-se o caso de ser verdadeiro o amor de Cordélia, o estratagema só podia acabar mal para ele. E todo este maquiavelismo do Diário, apesar da sua inteligência, ou talvez por causa dela, deve ser levado à conta da imaturidade.

"As ligações perigosas", o romance de Laclos, é um exemplo de como o sedutor se deixa facilmente apanhar no seu próprio jogo.

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