segunda-feira, 9 de março de 2009

HIERÓGLIFOS


"A mother and two children"(Alphonse van Beurden)



"Eu tenho seguido na minha existência uma marcha inversa à dos povos que só se servem da escrita fonética depois de considerarem apenas os caracteres como uma sequência de símbolos; eu que durante tantos anos tinha procurado a vida e o pensamento reais das pessoas exclusivamente no enunciado directo que elas me forneciam voluntariamente, por culpa delas acabei, pelo contrário, por só atribuir importância aos testemunhos que não são uma expressão racional e analítica da verdade."

"La Prisonnière" (Marcel Proust)


Só o sofrimento nos pode levar a abandonar um critério tão racional como o de julgar os outros pelas palavras que "ultrapassam a barreira dos seus dentes", para falar como Homero.

Mas o que no teatro é decisivo, porque só um dos sentidos concorre para o desfecho, na vida real, por tudo estar em aberto, encontramo-nos no reino dos hieróglifos e da sua interpretação. E há mil razões para alguém nos esconder o seu verdadeiro pensamento, desde as boas maneiras ao medo de despertar o ciúme, como acontece com Albertine, no romance de Proust.

E, como dizia Borges, a censura é a mãe de todas as metáforas. Quando a verdade não pode ser dita, todos os animais da fábula começam a falar.

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