sábado, 24 de janeiro de 2009

A CULPA


"The Trial" (1962-Orson Welles)


"'O Processo' não é só auto-reflexivo como é maturação de formas estéticas. Incarna as técnicas próprias do comentário exegético e da hermenêutica rabínica. É por si mesmo evidente que Kafka medita sobre a lei. O mistério original e as subsequentes aplicações da lei, da legalidade e do julgamento constituem a preocupação essencial da interrogação talmúdica. Se, no entendimento judaico, a linguagem adâmica era um discurso de amor, a gramática do homem caído é a do código legal."

"Paixão Infinita" (George Steiner)


K., a personagem de "O Processo" não é um homem culpado. É um cidadão que julga cumprir todas as suas obrigações perante a sociedade, assim como cumpre os seus deveres profissionais de bancário com seriedade e eficiência.

A sua culpa chega-lhe de fora, da sociedade, com a qual ele julga estar quite, e é-lhe imposta como uma herança. Ele interroga essa imposição como um enigma, quer racionalizá-la, mas não consegue mais do que se comportar, cada vez mais, como um culpado.

A técnica de Kafka revela-nos a essência da lei através duma situação-limite. Se os nossos actos são marcados pelas nossas origens e pela causalidade social, toda a culpa é kafkiana. E, como diz Steiner, se não vivemos já na condição adâmica, só nos podemos culpar a nós próprios.

A culpa é, pois, sempre maior do que o indivíduo e não pode ser evitada, porque viemos depois de Deus.

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