segunda-feira, 8 de setembro de 2008

A UTOPIA IMANENTE


"De homine" (René Descartes)

"Isso é sem dúvida uma pura utopia. Mas descrever mesmo sumariamente um estado de coisas que seria melhor do que o que é, é sempre construir uma utopia; no entanto, nada é mais necessário à vida do que descrições semelhantes, desde que sejam ditadas pela razão. Todo o pensamento moderno desde o Renascimento está aliás impregnado de aspirações mais ou menos vagas a essa civilização utópica; chegou-se mesmo a crer, por algum tempo, que era essa civilização que se formava e que se entrava numa época em que a geometria descera à terra. Descartes certamente acreditou nisso, assim como alguns dos seus contemporâneos."

"Réflexions sur les causes de la liberté et de l'oppression sociale" (Simone Weil)


A utopia de que fala Simone é a duma sociedade em que o trabalho manual fosse considerado o valor supremo e o homem não pudesse ser mais tratado como uma mercadoria.

Talvez que hoje, com o avanço tecnológico, esse ideal nos pareça ainda mais utópico, mas o que nos devemos perguntar é se, por causa disso, a utopia se tornou menos necessária.

Deve dizer-se que uma certa ideia de progresso automático, propulsionada pelas descobertas científicas, está talvez na origem da desvalorização da utopia na consciência política. A utopia, de facto, tornou-se imanente ao próprio progresso. Espera-se que aos milagres da Era Técnica (tão típicos do fetichismo denunciado pela filósofa) sucedam novos milagres e que os eternos problemas da paz e da justiça possam encontrar, através deles, uma qualquer solução.

Essa é sem dúvida uma das molas do actual apoliticismo.

Há uma versão minimalista de uma "sociedade melhor", aliás sugerida na citação, que se confunde com o chamado reformismo e que, em termos morais, pouco se distingue da "utopia imanente".

A utopia de que precisamos, por definição, não pode estar em nenhum lugar deste mundo e parece-se muito com a ideia platónica do Bem.

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