As personagens de "Muriel" (1963, Alain Resnais) não estão no tempo "real". De facto, encontram-se entre os destroços do passado que, constantemente, provocam "falta de sinal" e erros de comunicação.
Seria limitar o alcance do filme dizer que a guerra (a da Argélia; os acordos de Évian são do ano anterior), com a sua psicologia e os seus traumas, explica a disfunção de todos com todos.
Embora o título remeta para um caso de tortura (da jovem argelina Muriel) que obceca Bernard (Jean-Baptiste Thiérrée) e o leva ao acto de violência final sobre um dos torcionários, a guerra aqui é apenas um caso de radicalização da memória, como tempo que se recusa a correr, que volta com os seus fantasmas e interfere com o mundo dos vivos.
Todos mentem e escondem alguma coisa. Alphonse (Jean-Pierre Kérien) que foge da mulher, Simone (Françoise Bertin), quando Hélène (Delphine Seyrig), que não sabe bem o que quer, lhe vem lembrar um amor de outros tempos que cada um ressuscita à sua maneira, tão difícil é resistir a uma esperança, mesmo louca!
Hélène está desiludida por ele já ter o cabelo todo branco e retrai-se na sua apatia, de que só o vício do jogo consegue fazê-la sair.
Tanto desencontro desencadeia a cena final, de cada um para o seu lado, Alphonse escapando ao cunhado (Jean Champion) que o levava de volta a Simone e Hélène fugindo a todos em completa desorientação. Esta cena não é sem lembrar, como alguém disse, a corrida cruzada de uns e outros (as classes e os sexos) no final do filme de Jean Renoir, "La Règle du Jeu".
A música de Werner Henze e a voz do soprano Rita Streich contribuem para a estranheza do comportamento das personagens, joguetes que são de Mnemosine, a deusa da Memória que nos impede de escaparmos a nós mesmos.
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