terça-feira, 23 de setembro de 2008

UMA OUTRA ITÁLIA?


"Gomorra" (2008-Matteo Garrone)


A periferia de Nápoles que "Gomorra" de Matteo Garrone nos mostra está nos antípodas de qualquer "Viagem a Itália" (mesmo a já torturada visão de Rosselini).

Dir-se-ia que já não estamos na escala humana. Estamos talvez na fronteira que dominam as Erínias, mas o homem não.

Nas próprias palavras dos maffiosi , trava-se em Scampia (um dos esquálidos subúrbios) uma guerra em que é preciso matar para manter posições.

A teia de cumplicidades com o crime organizado apanha desde crianças estes "precários" da contra-sociedade, até o momento em que, perante o dilema de "ou estás connosco ou contra nós", devem entregar a sua própria humanidade.

Vemos como esta guerra se alimenta a si própria e como a polícia se rendeu à sua inevitabilidade. Perguntamo-nos se os cappi dessa máfia (que nunca vemos) são realmente a causa de alguma coisa, se decapitada a organização, estaríamos à vista duma solução. Mas penso que os chefes são peças tão substituíveis (embora mais culpados) como qualquer operacional nado e criado em Scampia.

Como, pois, pensar a Itália que amamos e isto, ao mesmo tempo? Ocorrem-me aquelas outras visitas que no tempo da URSS alguns intelectuais foram convidados a fazer para, no final, verem apenas as "aldeias Potemkine". De resto, a essência do mal pode sentir-se, sem se ver...

Penso também, ao contrário, em como se poderia entrar num país pela sua leprosaria e sair por uma lixeira a céu aberto, como a que vemos no filme. Tudo isso seria verdade de facto. As radiografias de um cancro também são verdadeiras, mas que país e que pessoa teríamos assim diante dos olhos? Todo o país, como todo o homem pode ser olhado abaixo da cintura. O olhar microscópico oferece-nos outras paisagens e estamos sempre no aqui e agora.

Será a Camorra napolitana uma espécie de Vesúvio humano em erupção, mas circunscrito a um local e a um determinado meio social? Nunca poderíamos estar certos disso, porque tudo o que é humano está ligado e a chaga pode rapidamente atingir toda sociedade.

Ainda não se inventou um apartheid eficaz, e ainda bem.

0 comentários: