sexta-feira, 26 de setembro de 2008

A PUREZA DAS FONTES




"Se não houvesse neste mundo pureza perfeita e infinita, se apenas houvesse pureza finita que o contacto do mal esgota com o tempo, jamais poderíamos ser salvos. A justiça penal fornece uma ilustração terrível desta verdade. Em princípio é uma coisa pura, que tem por objecto o bem. Mas é uma pureza imperfeita, finita, humana. Também o contacto com o crime e a infelicidade misturados esgota essa pureza e põe, em seu lugar, uma sujidade que só por pouco não é igual à totalidade do crime, uma sujidade que ultrapassa em muito a de um criminoso em particular."

"Espera de Deus" (Simone Weil, tradução de Manuel Maria Barreiros)


Esta linguagem mística (a salvação, a pureza infinita) pode ser facilmente traduzida noutra, mais terra-à-terra, mas vejamos o que se perde com isso.

Claro que a pureza de que aqui se fala é, no fundo, uma ideia platónica. Não existe, nem poderá nunca existir essa pureza encarnada. A sua eficácia depende, precisamente, de não poder ser alcançada, mas de criar uma tensão para um valor (como noutro passo diz Simone), incorruptível, que não se esgota com os fracassos ou os aparentes desmentidos da realidade. Porque a realidade está num outro plano. Sem qualquer coisa como essa ideia, jamais nos levantaríamos do primeiro tropeço.

Somos, então, todos platónicos? Mas não é isso que nos comprova a constância dos ideais através das vicissitudes?

Todos os crentes que vêem um ideal "descer à terra" têm de lutar enquanto puderem e através de comportamentos que se aproximam muito da denegação psiquiátrica da realidade por salvarem "a menina dos seus olhos" do contacto com a mácula da banalidade, quando não da injustiça e do crime.

É nisso, pelo menos, que a mística se distingue. A confusão dos planos nunca tem lugar. Daí que os cépticos possam ver nela uma versão "proactiva", como se diz agora, da esquizofrenia.

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