Ao longo de "Shutter Island", o último filme de Martin Scorcese, há muitos sinais de que o mundo do US marshal Teddy Daniels (Leonardo DiCaprio) não é o mundo dos outros, mas o desacerto só chega ao discurso das personagens quase no fim. Então temos de "reescrever" o argumento e mudar a posição das principais figuras. Afinal, a conspiração era imaginária e a prisão não era, de facto, uma prisão, nem os guardas nem os psiquiatras, torcionários nazis. Esta inversão é por um momento assumida por Daniels, parecendo, assim, coroar-se de sucesso o estratagema concebido pelo psiquiatra-chefe (Ben Kingsley) para levar Daniels à consciência e à cura. Mas o final do filme é tudo menos psicanalítico. Daniels, numa frase sibilina, acaba por dizer que prefere viver com a sua loucura do que com a consciência de ter assassinado os seus. Perante isto (estávamos nos anos cinquenta do século passado), o horizonte era o da lobotomia, porque a sociedade, impotente para "racionalizar" a culpa de Daniels, ao mesmo tempo não podia tolerar a sua violência.
Não tenho dúvida de que estamos diante dum dos melhores filmes dos últimos tempos. Opressivo como um pesadelo e apaixonante como a busca da verdade.
"Shutter Island", segundo Daniels, é uma visão radical do mundo, com uma necessidade psicológica que podemos encontrar em todos os momentos em que dividimos o mundo entre o nosso (que pode ser um mundo colectivo) e o dos outros.
Afinal, a loucura só existe porque nem todos acreditam nela. Depois da passagem do tempo, ou duma mudança acelerada, todos, de alguma maneira, experimentamos uma "inversão" como a do protagonista do filme.
0 comentários:
Enviar um comentário