"(…) ela (a vida) exige que cada coisa seja funcional, e satisfaça certas necessidades. A cultura encontra-se ameaçada quando todos os objectos e coisas do mundo produzidos pelo presente ou pelo passado são tratados como puras funções do processo vital da sociedade, como se só existissem para satisfazer alguma necessidade."
"La crise de la culture" (Hannah Arendt)
A funcionalidade da arte, a necessidade de expressão do artista ou o desejo de auto-aperfeiçoamento do espectador, diz Arendt, são coisas "com tão pouca relação com a arte e são historicamente tão novas que somos tentados a despachá-las como preconceitos modernos."
A catedral gótica, por exemplo, poderia responder à necessidade religiosa com outro tipo de construção que não tivesse sobrevivido mais do que a própria habitação dos crentes, mas corresponderia isso à ideia que na altura se tinha da glória de Deus?
Na medida em que essa ideia de Deus evitou que os templos desaparecessem do mundo como as coisas consumíveis, ela foi uma fonte de cultura. Porque cultura deriva "de colere – cultivar, permanecer, cuidar, manter, preservar – e reenvia primitivamente para o comércio do homem com a natureza, no sentido de cultivo e manutenção da natureza com vista a torná-la adequada à habitação humana."
Há, pois, um elemento de permanência, abrangendo múltiplas gerações, que é necessário a essa habitação. É essa permanência que a sociedade de consumidores põe manifestamente em causa. A pergunta que se põe é, assim, se, fora dos monumentos de outras épocas, existe alguma coisa naquilo que produzimos que não pertença ao ciclo do consumo, que não seja feita a pensar exclusivamente nas nossas necessidades vitais, requalificadas, evidentemente, pela sociedade de informação, como o parece indicar a preponderância do pensamento económico?
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