terça-feira, 23 de março de 2010

O COELHO DE ALICE


O coelho e a estátua

No meio da torrente humana da rua comercial, o imóvel escolho que nos espia por detrás da rocha. Os nossos passos tornam-se de repente frenéticos, a nossa actividade insensata.

O homem-estátua está ali para realizar uma proeza, um avulso número de circo, mas acaba por ser um espelho onde os nossos gestos mal deixam o vestígio dum pássaro que atravessasse um obturador demasiado lento.

Há algum tempo, vi junto à catedral de Antuérpia um homem pintado de bronze, integrado no grupo escultórico que representa a descida da cruz de Rubens. Surpreendi-o, por detrás da multidão e ao lado dos seus assimptóticos comparsas, no acto de maquilhar-se, preparando-se para a pesadíssima tarefa de simular o “rigor mortis”.

Tudo o que é extraordinário tem público, e parar quando os outros correm é uma coisa que não lembraria a ninguém que vivesse em tempos mais calmos. O cansaço da estátua (já foi uma forma de tortura no nosso país) é vigiado por olhos implacáveis que esperam que este desafio à natureza humana seja o espectáculo que promete. Espectáculo com o mínimo possível de expressão e que nada diz, a não ser que somos todos como o coelho de Alice.

0 comentários: