terça-feira, 16 de março de 2010

O PADRE MAGRO


"Eu sentia que as minhas últimas palavras lhe tinham dado tempo para se recompor, lamentava tê-las pronunciado. Relendo-as, inquietam-me. Oh! não as enjeito, não! Mas elas são humanas apenas, nada mais. Exprimem uma decepção muito cruel, muito profunda, do meu coração de criança. Certamente, outros que não eu, milhões de seres da minha classe, da minha espécie, conhecê-la-ão ainda. Ela faz parte da herança do pobre, é um dos elementos essenciais da pobreza, é sem dúvida a pobreza mesma. Deus quer que o miserável mendigue a grandeza como o resto, quando ela irradia dele, sem que o saiba."

"Journal d'un curé de campagne" (Georges Bernanos)


Se há um romance inspirado pela fé é esta história do "padre magro", ingénuo ainda por cima (não como o jansenista Pirard, do "Vermelho e o Negro"), que atrai a incompreensão e os ultrajes, de mãos nuas e coração aberto.

O espírito evangélico está todo nestas palavras do seu diário. A pobreza aqui, mais do que um conceito sócio-económico é uma categoria moral. Tal como o proletário de outra "boa nova", o pobre, e só ele, entrará no reino dos Céus. Bernanos acrescenta a esta beatitude a inocência, porque o pobre não conhece o seu grandioso destino. E aí se revela a superioridade do "pobre" sobre o proletário. Porque este, conhecendo a doutrina, torna-se orgulhoso, e em contacto com o poder corruptor nada de puro o pode salvar.

0 comentários: